Liberdade
minha, liberdade tua
Uma
professora do meu tempo de ensino médio, a propósito de qualquer ato de
indisciplina ocorrido em suas aulas, invocava a sabedoria da frase “A liberdade
de um termina onde começa a do outro”. Servia-se dessa velha máxima para nos lembrar
limites de comportamento. Com o passar do tempo, esqueci-me de muita coisa da
História que ela nos ensinava, mas jamais dessa frase, que naquela época me
soava, ao mesmo tempo, justa e antipática. Adolescentes não costumam prezar
limites, e a ideia de que a nossa (isto é, a minha...) liberdade termina em
algum lugar me parecia inaceitável. Mas eu também me dava conta de que poderia
invocar a mesma frase para defender aguerridamente o meu espaço, quando ameaçado
pelo outro, e isso a tornava bastante justa... Por vezes invocamos a universalidade
de um princípio por razões inteiramente egoístas.
Confesso que continuo achando a frase algo perturbadora,
provavelmente pelo pressuposto que ela encerra: o de que os espaços da
liberdade individual estejam distribuídos e demarcados de forma inteiramente
justa. Para dizer sem meias palavras: desconfio do postulado de que todos
sejamos igualmente livres, ou de que todos dispomos dos mesmos
meios para
defender nossa liberdade. Ele parece traduzir muito mais a aspiração de um
ideal do que as efetivas práticas sociais. O egoísmo do adolescente é um mal
dessa idade ou, no fundo, subsiste como um atributo de todas?
Acredito que uma das lutas mais ingentes da
civilização humana é a que se desenvolve, permanentemente, contra os impulsos
do egoísmo humano. A lei da sobrevivência na selva – lei do instinto mais
primitivo – tem voz forte e procura resistir aos dispositivos sociais que
buscam controlá-la. Naquelas aulas de História, nossa professora, para
controlar a energia desbordante dos jovens alunos, demarcava seu espaço de
educadora e combatia a expansão do nosso território anárquico. Estava
ministrando-nos na prática, ao lembrar os limites da liberdade, uma aula sobre
o mais crucial desafio da civilização.
(Valdeci Aguirra,
inédito)
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